O Natal é um momento de recolhimento, reflexão e celebração. Neste contexto, Irmã Gloria Liliana Franco Echeverri, religiosa da Companhia de Maria, teóloga e presidente da Conferência Latino-Americana e Caribenha de Religiosos (CLAR), nos convida a aprofundar o significado da Sinodalidade como eixo transformador de vida e missão. da Igreja.
Nesta entrevista, a Irmã Liliana partilha conosco como a Sinodalidade é a própria essência de ser Igreja, um apelo a caminharmos juntos como irmãos, abraçando as diferenças e unindo esforços para construir uma comunidade mais inclusiva e solidária. Na sua perspectiva, viver o espírito do Advento e do Natal convida-nos a redescobrir a proximidade de Deus no meio dos desafios do nosso tempo, reconhecendo a sua presença entre os mais vulneráveis e os que sofrem.
Através de um diálogo esperançoso, a freira reflete sobre os desafios do caminho sinodal, a importância da humildade e do testemunho, e como a lógica da encarnação pode nos inspirar a viver uma Igreja mais próxima do Evangelho. As suas palavras encorajam-nos a peregrinar na esperança, priorizando o encontro com Deus e comprometendo-nos na missão de anunciar o seu Reino num mundo sedento de paz, reconciliação e fraternidade.
Somos peregrinos
Pergunta: Como você define a Sinodalidade no contexto da vida e da missão da Igreja?
Resposta: É o configurador, é a identidade, é o que, ao ritmo do Espírito e desde a origem, somos chamados a viver.
O nosso é o caminho, somos peregrinos. Um caminho assumido como irmãos, acolhendo as nossas diferenças reais e somando forças e sensibilidades para a maior dedicação na missão.
Desafios que a Igreja enfrenta
P.: Neste processo sinodal, quais são os principais desafios que a Igreja enfrenta e como podem ser enfrentados a partir de uma perspectiva evangélica?
R: Reconheço vários desafios:
BUSCA SINCERA PELOS DESEJOS DE DEUS: superar posições tingidas de ideologia, para buscar com o coração limpo o que Deus quer.
ESCUTE A REALIDADE: Viva no contexto, com os pés na realidade. Escutai o grito da história, os anseios dos mais pobres, o grito da terra.
COLOQUE-NOS NO CAMINHO DE JESUS: faça do Evangelho o projeto de vida. Ore, aprofunde o Evangelho até fazermos o nosso jeito de ser e nos posicionarmos como Jesus.
APRENDA UM NOVO MODO RELACIONAL: Mais evangélico, fraterno e sororal; menos clerical, abusivo ou invasivo. Mais simplesmente circular, comunitário, inclusivo.
ESTAR EM MISSÃO: situar-nos nas margens geográficas e existenciais onde é urgente anunciar Jesus, dar a vida, comprometer-nos, aumentar redes de solidariedade.
A lógica da encarnação
P: Como se reflete a sinodalidade, como caminho de escuta e de comunhão, no mistério do Natal?
R.: No Natal celebramos o Mistério da Encarnação. A certeza de que o nosso Deus se rebaixa e abraça o humano, aproxima-se da história e assume como sua a condição dos mais pobres, dos deserdados, daqueles que não têm onde reclinar a cabeça.
Talvez a conversão pastoral de que tanto falamos tenha a ver com aquela vontade de viver a partir da lógica da encarnação: “de baixo, de perto, de dentro”.
Em uma viagem missionária
P.: O nascimento de Jesus numa manjedoura transmite uma mensagem de humildade e de encontro. Como isso pode nos inspirar a viver uma Igreja mais sinodal?
R.: Nosso Deus ouve o clamor do seu povo, por isso se encarna. É Emmanuel, “o Deus conosco”. Desça para nos libertar. O nascimento de Jesus ocorre em uma manjedoura como nossa salvação.
O apelo será sempre a saída missionária, aproximando-nos de outras margens e tornando credível o anúncio, especialmente para os mais pobres e mais pequenos. Nesse sentido, o testemunho é essencial, essa vida é eloquente.
A humildade torna possível o encontro, reduz as lacunas, permite-nos coincidir naquele lugar onde somos todos simplesmente humanos e tudo é graça de Deus.
“Quem sabe que está habitado põe-se a caminho”
P: Que lições do Advento e do Natal podem enriquecer o caminho sinodal da Igreja?
R.: A vida no Espírito é um itinerário de saída. Envolve experiência, encontro, abraço profundo e movimento. Quem sabe que está habitado, parte, o amor o mobiliza.
Aquele que sabe que está abraçado pela misericórdia, adora de joelhos, e de pé, às pressas e pelas estradas, anuncia.
Ouça o clamor dos pobres
P.: O Natal convida-nos a reconhecer Cristo presente nos mais vulneráveis. Como este apelo pode influenciar a dinâmica sinodal, especialmente na escuta das periferias?
São muitos os sinais ordinários e extraordinários que nos mostram a presença e a ação do nosso Deus no nosso mundo, entre os pobres.
Sem um olhar contemplativo, sem uma atenção minuciosa aos detalhes, sem uma sensibilidade refinada, a nossa capacidade de transcendência é atrofiada e, o que é mais importante, a nossa capacidade de compaixão face ao sofrimento humano.
Por isso, hoje mais do que nunca, devemos estar atentos, habitar os territórios e preparar-nos para ouvir o grito dos pobres.
Numa sociedade que se constrói sob padrões de superioridade e grandeza, aparência e desperdício, a voz de Deus ressoa, convidando-nos a seguir os caminhos da simplicidade, da humildade e da transparência de coração. Na lógica do Reino, felizes são os pequenos, e a eles será revelado o essencial.
Trabalhar pela reconciliação e pela paz
P: Num mundo dividido, como podem os valores do Natal, como a paz e a reconciliação, ser um impulso para a unidade no caminho sinodal?
R.: Quando a voz de Deus ressoa, nos dá identidade e missão. O ritmo de vida é perturbado. A escuta torna-se o imperativo que nos torna discípulos, e contemplar a realidade com coração misericordioso lança-nos inevitavelmente na missão.
E hoje o trabalho pela reconciliação e pela paz é imperativo. Sejam pontes, reduzam fronteiras, eduquem para a convivência e a paz, denunciem tudo que envolva violência, armas e violação dos direitos humanos.
P: O que significa para você pessoalmente viver o espírito do Natal no contexto do Sínodo?
R.: Contemple Jesus, aprenda com Ele.
Peregrinação na esperança
P: Que mensagem você daria às comunidades que procuram viver a Sinodalidade como expressão concreta do Evangelho no Natal?
R.: Eu lhe diria que o que dura, o que permanece, o que é eterno, é sempre o resultado de uma experiência, de um encontro em que se aumenta a confiança e se estabelece o vínculo desde o fundo. Precisamos crescer na experiência de Deus.
Que continuemos peregrinando na esperança, priorizando o encontro amoroso e necessário com o nosso Deus. A experiência de oração que nos estrutura e nos fortalece para dar a vida.
A fé significa um caminho, às vezes por zonas desertas, mas sempre acompanhado.
A fé nos prepara para o inédito e nos coloca no território onde tudo é possível. A fé tem como pré-requisito a experiência de ser e sentir-se amado. Mas a fé, acima de tudo, leva-nos a dar a vida, a ser missão, a ser apaixonados pelo Reino. Convido-vos a fazer uma peregrinação de esperança.
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