Mulheres refletem sobre as últimas palavras de Jesus na cruz

Mulheres refletem sobre as últimas palavras de Jesus na cruz
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O Papa Francisco foi enfático ao destacar que “a mulher do povo santo e fiel de Deus é um reflexo da Igreja. A Igreja é feminina, ela é uma noiva, ela é uma mãe”. Para entender o sentido e o significado das últimas palavras de Jesus na cruz, ou o Sermão das Sete Palavras, fizemos um convite importante. Sete mulheres refletem sobre as últimas palavras de Jesus na cruz, algumas são teólogas, outras estão ligadas à academia ou à mídia católica. 

Sete testemunhos de mulheres refletindo sobre as últimas palavras de Jesus na cruz

“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. 

Liliana Franco, doutora em teologia e presidenta da Confederação Latino-Americana de Religiosos – CLAR.

A plenitude do amor é o perdão. Anos atrás, em Medellín, conheci uma mulher que teve três de seus filhos assassinados. Eu a ouvi dizer que perdoava os assassinos. Ela parecia serena e pacífica, sempre solidária e atenta às necessidades de seus vizinhos. Ela não conhecia a palavra vingança, portanto, era totalmente a favor da paz.

Jesus, com os olhos fixos no Pai, pediu perdão a seus agressores. Ele conhecia a complexidade do coração humano. Ele havia se deparado muitas vezes, nas voltas e reviravoltas da estrada, com aqueles que enganavam e caluniavam, feriam e magoavam, julgavam e excluíam. À beira da morte, ele próprio sofreu com a barbárie humana. O que o regime opressor não pôde lhe tirar foi a pureza de seu coração, sua fé no humano e sua centralidade no Pai. E amando ao extremo, ele pediu o dom do perdão para seus algozes.

Tanta ignorância acumulada, tanta ignorância arraigada, muitas vezes nos coloca no palco daqueles que julgam e ferem. Nosso Deus, feito misericórdia, olha para nós com dor e nos oferece a plenitude de seu amor, seu perdão.

“Hoje você estará comigo no Paraíso”.

Paola Calderón Gómez, mãe e mestre em comunicação social.

E que mal ele fez? perguntou um dos ladrões durante a crucificação, pensando nas razões que condenaram Jesus. Agora também há homens e mulheres como ele. Eles estão marcados, condenados, prontos para morrer, mas com a certeza de um ideal a ser alcançado. 

Vêm-me à mente os rostos das mulheres dos povos originários, cujos problemas estão espalhados pela bacia amazônica. Ameaçadas, mas resistentes e resilientes, elas se organizam para lutar contra os problemas causados pela mineração, exploração de petróleo e desmatamento excessivo. Eles são responsáveis pela solução de dilemas como escassez de alimentos, perda de safras, crescimento populacional, violência de gênero e exploração sexual. 

De acordo com o último relatório da organização “Somos defensores”, 119 mulheres morreram no exercício de sua liderança. As mulheres da Amazônia, assim como seu território, sofrem várias formas de violência, desapropriação, desrespeito, incompreensão e negligência do Estado. A frase de Jesus também é para elas. Elas a confessaram com suas próprias vidas e treinaram outras para liderar suas comunidades. Ao viver sua fé, apesar das dores, eles demonstram que se morre como se vive. Foi isso que Cristo fez, e eles defendem a vida com coragem, agarrando-se a uma grande promessa: hoje você estará comigo no paraíso.

“Eis o seu filho, eis a sua mãe”.

Pilar Torres Silva, mãe, comunicadora e chefe da pastoral universitária.

Sempre gostei de ver a Palavra de Deus em ações concretas. Em meu trabalho na universidade, sinto que todos os dias Jesus crucificado me diz: mulher, aqui está seu filho. Penso nisso quando um jovem me procura em busca de conforto para sua situação familiar ou quando encontro um jovem universitário chorando na escada. Também me vem à mente quando vejo um rapaz que não consegue entender seus estudos e está terminando o curso.

Não sou sua mãe biológica, mas, seguindo o exemplo de Maria, Mãe de todos, só posso abrir os braços e recebê-los. Sei que é hora de ouvi-los e mostrar-lhes um caminho de esperança no Ressuscitado. Talvez eu os veja apenas uma vez, talvez outros queiram um acompanhamento permanente. Em todo caso, é para dar o sim de Maria mais uma vez ao Senhor e ao seu plano de salvação.

Devemos fazer essa reflexão para nós mesmas, não por ser Semana Santa ou por sermos mães, mas pelo imperativo de viver o Evangelho dia a dia. Todas nós podemos ser mães! 

“Meu Deus, meu Deus, por que você me abandonou?

Leidy Paredes, contadora pública e coordenadora do ‘Aguapanelazo’, uma iniciativa de solidariedade com moradores de rua.

“Somos convidados a explorar o sofrimento humano e a busca de significado em meio à adversidade. É isso que fazemos no ‘Aguapanelazo’ diante da situação difícil dos moradores de rua, uma expressão de solidariedade e amor para com os marginalizados pela sociedade. As palavras de Jesus na cruz, “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”, ecoam na experiência daqueles que se sentem desamparados nas ruas de nossas cidades.

Com nossos corações nos pobres e nossos ouvidos atentos ao Evangelho e à realidade, sentimos o chamado para continuar a narrar memórias, ouvir as pessoas e tecer sonhos de um futuro mais justo e compassivo para todos. A voz do sofrimento ressoa alta e clara, lembrando-nos de que o amor e a solidariedade são as verdadeiras respostas ao grito de angústia de uma sociedade.”

“Estou com sede”.

Clara Carreño, PhD em antropologia, professora universitária, pesquisadora e ativista.

“Quando penso na expressão ‘tenho sede’, penso no imenso, constante e ainda invisível número de meninas, mulheres jovens, adultas e idosas que estenderam seu olhar para acolher outras pessoas, para suportar o peso de uma economia selvagem, a angústia de alimentar suas filhas e filhos, para sustentar a vida que desaparece nas mãos de megaprojetos que só pensam em aumentar seus próprios cofres à custa de acabar com a vida de outros.

Tenho sede” é essa expressão nos olhos de muitos deles que nos dizem o que é injusto, mas vivem a impotência de resolver essas realidades, porque sempre há os argumentos e as razões da economia, da academia e das instituições que proclamam que os danos profundos da vida são colaterais e, portanto, não têm solução. 

Quando “sinto sede”, penso no número de amigos que se abraçam, que dizem que, apesar de todas as adversidades, continuaremos a denunciar o que nos afeta e gera morte, além da indiferença. E penso que poderíamos dar muitas mãos e beber da esperança, da alegria, da liberdade e da restauração de uma vida justa e amorosa. Ainda é possível buscar e encontrar água para beber e molhar nossos lábios”.

“Tudo está consumado”.

Isabel Corpas de Posada, mãe, avó e doutora em teologia.

“Em outras palavras, missão cumprida! É a parte de Jesus depois de ter dado sua vida a serviço dos despossuídos e descartados da sociedade, como os doentes ou as mulheres, e antes de dar seu espírito – o Espírito de Deus, o Espírito Santo – para liderar seus discípulos que, depois de sua partida para o Deus Pai, prolongariam a missão de Jesus ao longo da história. Ontem, hoje e sempre.

Devido a essa ação do Espírito, como seguidores de Jesus, temos a responsabilidade de assumir a missão que corresponde a cada um de nós em nosso ambiente familiar e social. Mas também a possibilidade de fazer dessa missão uma dedicação generosa a serviço daqueles que todos os dias precisam de nossa atenção e proximidade, ao mesmo tempo em que contribuímos para a construção da paz e da justiça. E assim poderemos dizer com Jesus: “Missão cumprida! ao final de cada tarefa e com a satisfação de ter dado o melhor de nós mesmos”.

“Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”.

Olga Consuelo Vélez, doutora em teologia e professora universitária.

“O evangelista Lucas coloca essas palavras na boca de Jesus, palavras tiradas do salmo (31,6), concluindo assim a paixão de Jesus e a aceitação voluntária do destino que sofreu por causa de sua fidelidade à proclamação do Reino. Esse fato é importante quando se pensa na história das mulheres. A paixão e a cruz nunca devem ser aceitas com resignação ou acreditando que são a vontade de Deus, e depois repetindo as palavras de Jesus, como um gesto de aceitação do sofrimento que a vida lhes traz. 

Deus não quer o sofrimento das mulheres, nem a resignação diante Dele. Deus quer que seu plano de salvação para a humanidade seja cumprido, o que consiste em uma vida digna, justa, livre de violência e de paz para todos. 

Por essa razão, Jesus confrontou as instituições religiosas de seu tempo e permaneceu fiel para não distorcer a vontade divina. Nesse sentido, deixar a vida nas mãos de Deus implica fidelidade e não fracasso, resistência ativa e não resignação, militância e não renúncia de suas convicções. Por esse motivo, nos baseamos na perspectiva de sete mulheres que refletem sobre as últimas palavras de Jesus na cruz.

As mulheres, então e agora, são chamadas a entender a paixão e a cruz, não como parte de seu ser mulher, como se seu destino fosse o sofrimento, mas como um compromisso de se libertarem de toda a violência que a sociedade patriarcal permitiu contra elas. Nas mãos do Pai/Mãe, elas devem colocar suas lutas e todos os seus esforços para que “nunca mais” seja exercida qualquer violência contra elas e, muito menos, qualquer feminicídio.

Publicado no El Tiempo. Reimpresso para o Observatório Latino-Americano de Sinodalidade.

Imagem: Missionárias Dominicanas do Rosário. 


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